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Por Sobre o Mundo

4 min readJun 29, 2025

“Sim, mas quem nos curará do fogo surdo, do fogo sem cor que corre ao anoitecer?”

Julio Cortázar, O Jogo da Amarelinha *

Fogueira

Quando o conheci éramos estudantes, e pouco contato tínhamos. Houve um único dia em que nossos olhares se cruzaram, nada mais. Nunca tivemos qualquer outro tipo de encontro. Transfigurou-se de imediato, compôs versos curtos e entrecortados, depois se afastou bruscamente, como alguém que vislumbra a possibilidade de algo como Deus, e quer, precisa ou se vê obrigado a prosseguir ateu. Desviou dos meus os seus olhos, como se afastam os olhos do sol forte do meio-dia.

Logo a seguir iniciou-se, bem em frente à janela de meu quarto, aquela construção. Em pouco dias, e sem que se pudesse entender como, se fez — a transpor a ampla avenida de oito faixas — uma passarela em estilo medieval fiorentino. Sim, uma imensa passarela decorada com afrescos de Giotto. Correram artistas de várias áreas: pintores, escultores, poetas, arquitetos a examiná-la com telescópios, todos se mostravam boquiabertos com seu primor estético, com sua aura hierática. Peritos internacionais cogitaram transportá-la em bloco a uma exposição que ocorreria na própria Padova. Eu não permiti que o fizessem.

Desencontramo-nos por completo, eu e ele. Seguimos vidas separadas, cada qual por seu labirinto de buscas, ilusões, amores, filhos, momentos e espaços…

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Marcos Wagner
Marcos Wagner

Written by Marcos Wagner

Philosopher, Psychiatrist, Writer, Father of 4, Grandfather of 3, PhD at the University of São Paulo. www.amazon.com/author/marcoscunha www.amazon.com/dp/B004FG

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